Cuidar do outro, daquele que se encontra numa situação de dependência, tem sido aceite como um trabalho livre e voluntário frequentemente associado à dedicação e altruísmo de familiares do género feminino (Araújo e Soeiro, 2021). Contudo, tem-se assistido a um crescente debate no contexto português em torno da necessidade de transferir a responsabilidade dos cuidados com as pessoas dependentes, independentemente da idade, para estruturas do Estado assim como merece destaque a emergência de um discurso que exige a necessidade de reconhecer o papel do cuidador informal e proporcionar apoios sociais que mitiguem a exigência da prestação de cuidados, e a quase impossibilidade destes conciliarem a vida profissional com a prestação de cuidados a uma pessoa dependente (Soeiro e Araújo, 2020; Araújo e Soeiro, 2021).
Podemos afirmar que as políticas públicas, em Portugal, nas últimas décadas têm sido orientadas através de dois eixos fundamentais como referem Soeiro e Araújo (2020: 51):
O primeiro diz respeito às transferências monetárias diretas do Estado para as famílias, como é o caso do subsídio por assistência à terceira pessoa e do complemento por dependência. Estas medidas compensatórias – destinadas a “ajudar as famílias a amparar os custos adicionais” por prestarem serviços não remunerados na qualidade de cuidadores principais – são, contudo, tão reduzidas que servem essencialmente para acudir a situações de pobreza e carência económica. O segundo pilar assenta na provisão de cuidados pelos serviços públicos (o Serviço Nacional de Saúde, particularmente no âmbito dos cuidados de saúde primários e das equipas de cuidados na comunidade) ou pelo setor semi-privado de cuidados, protagonizado pelas Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSSs) – com as quais o Estado celebra acordos de cooperação, através dos quais financia as entidades que detêm e gerem os equipamentos e as respostas, e no qual assenta a Rede de Serviços e Equipamentos Sociais (RSES). Esta resposta, na qual o Estado aparece essencialmente como co-financiador (a par das famílias, que pagam também uma comparticipação) tem um peso relevante no Orçamento do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social: em 2019, estes acordos de cooperação entre o Estado e estas entidades do setor social privado correspondiam a 1.531,7 milhões de euros.
Entre os serviços disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde, destaca-se a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), que aconteceu em 2006 através do Decreto-Lei N.º 101/2006, de 6 de junho, resultante de uma parceria entre Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e do Ministério da Saúde, assumindo-se como um marco no enquadramento legal e no reconhecimento por parte do Estado português da importância dos cuidados de saúde e de apoio social às pessoas que se encontram numa situação de dependência (eportugal.gov.pt). É igualmente importante referir que a criação dos Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (CCISM) permitiu a expansão da RNCCI a pessoas com problemas de saúde mental (eportugal.gov.pt).
Recentemente, a Ministra da Saúde expressou publicamente a intenção de criar uma rede nacional de cuidadores informais em Portugal, integrando as pessoas que cuidam dos mais velhos e/ou de pessoas dependentes nas suas residências (Simões et al., 2017). Em 2016, a formação e a capacitação de cuidadores informais foi incluída no Programa Nacional para a Saúde, Literacia e Autocuidados (Despacho n.º 3618-A/2016, de 10 de Março de 2016). A 6 de Setembro de 2019 foi criado o Estatuto do Cuidador Informal promulgado pela Lei n.º 100/2019.
Deste modo existem, atualmente em Portugal, dois tipos de prestação de cuidados aos dependentes e/ou aos mais velhos: as redes informais (cuidadores informais) e a rede formal proporcionada pelo Serviço Nacional de Saúde na qual se integram a RNCCI e a CCISM (Simões, Augusto, Fronteira& Hernández-Quevedo, 2017). Contudo, e apesar destes esforços, verifica-se uma insuficiente prestação de cuidados de saúde à população portuguesa, incluindo os cuidados de saúde continuados e o apoio social aos doentes crónicos, aos mais velhos e a outros grupos vulneráveis (Santana, Dias, Souza & Rocha, 2007). Em suma, em Portugal, uma parte significativa da prestação de cuidados é providenciada por cuidadores informais. Estima-se que cerca de 110000 pessoas não sejam autónomas, estejam dependentes da assistência de uma ou mais pessoas nas suas residências, e que por consequência 80% receba algum tipo de cuidado informal.